A morte é como o umbigo: o quanto nela existe é a sua cicatriz, a lembrança de uma anterior existência. A bordo do barco que me leva à ilha de Luar-do-Chão não é senão a morte que me vai ditando suas ordens. Por motivo de falecimento, abandono a cidade e faço a viagem: vou ao enterro de meu Avô Dito Mariano.
Cruzo o rio, é já quase noite. Vejo esse poente como o desbotar do último sol. A voz antiga do Avô. parece dizer-me: depois deste poente não haverá mais dia. E o gesto gasto de Mariano aponta o horizonte: ali onde se afunda o astro é o mpela djambo, o umbigo celeste. A cicatriz tão longe de uma ferida tão dentro: a ausente permanência de quem morreu. No Avô Mariano confirmo. morto amado nunca mais pára de morrer..
Meu Tio Abstinêncio estava encostado na amurada, fato completo, escuro envergando escuridão. A gravata cinza semelha uma corda ao despendurão num poço que é o seu peito escavado. Rasando o convés do barco, as andorinhas parecem entregar-lhe secretos recados.
Um Rio Chamado Tempo, Uma Casa Chamada Terrade Mia Couto
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