segunda-feira, 20 de maio de 2013

Livros da nossa biblioteca

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   Da janela do seu quarto, através das cortinas corridas, ela olha a rua já sob o declínio da tarde, observa a luz, ama o dia. Segue o movimento do dia com o olhar cansado e distraído; segue-o até onde, lá muito ao longe, todo ele se curva caindo sobre as crinas do mar. O poente é uma cauda de pavão: espalha sobre a água um arco-íris de penas sangrentas que ardem em sarça, como o sal do lume. Diz adeus ao dia, recolhe-se para o interior da casa - e põe-se a chorar. Chora num pranto comvulo, cheia de paixão.
   O Outono sempre lhe trouxera esses sentimentos de mágoa acerca do mundo: a melancolia e um quase desejo de renunciar à vida, num  tempo em que tanbém o mundo de despede das alegrias do Verão, para se vergar aos primeiros frios da estação seguinte.
   Mas não está dia para que ela se ponha a pensar na morte, nem a encher de tristezas o pensamento. Um tempo luminoso, o dia leve. Nem uma nuvem no firmamento. Sombras, só as que descem dos telhados para o chão, e mais as que se projectam do interior das casas e de cima dos muros, a indicar a hora em que o Sol tomba de borco e a tarde começa a arrefecer.
As Coisa das Alma - Contos
João de Melo

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