terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Livros da nossa biblioteca

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Agora vão ver quem eu sou, disse para consigo, com o seu novo vozeirão de homem, muitos anos depois de ter visto pela primeira vez o transatlântico imenso, sem luzes e sem ruídos, que uma noite passou diante da aldeia como um grande palácio desabitado, mais comprido que a aldeia inteira e muito mais alto que a torre da sua igreja, e continuou a navegar nas trevas até à cidade colonial fortificada contra os corsários do outro lado da baía, com o seu antigo porto negreiro e o farol giratório cujos lúgubres feixes de luz, cada quinze segundos, transfiguravam a aldeia num acampamento lunar de casas fosforescentes e ruas de desertos vulcânicos, e embora ele fosse então um menino sem vozeirão de homem mas autorizado pela mãe a escutar até muito tarde na praia as harpas nocturnas do vento, ainda era capaz de recordar como se o estivesse a ver que o transatlântico desapareceia quando a luz do farol lhe batia no flanco e voltava a aparecer quando a luz acabava de passar, de tal maneira que era um navio intermitente que ia aparecendo e desaparecendo rumo à entrada da baía, buscando a tactear como um sonâmbulo as boias que assinalavam o canal do porto, até que qualquer coisa deve ter falhado nas suas agulhas de orientação, porque derivou na direcção dos escolhos, embateu, desfez-se em pedaços e afundou-se sem o mais pequeno ruído...

A Última Viagem do Navio Fantasma
de Gabriel García Márquez

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